Foi em uma inusitada carona, dentro de um caminhão de limão vindo da Venezuela, que Douglas Trent desembarcou no Brasil, em 1980, após uma longa viagem pelo Caribe, na América Central. O jovem ecólogo recém-formado desejava conhecer o mundo e a biodiversidade que estudou na universidade nos EUA. Porém, os planos de conhecer a Argentina e o restante da América do Sul foram transformados pela paixão que ele desenvolveu pela natureza brasileira.
Trent foi trabalhar em Minas Gerais como consultor em um projeto de desenvolvimento sustentável, mas a vontade de conhecer a Amazônia e outras regiões o levou ao município de Aripuanã, no norte do Mato Grosso.
“O ônibus estava lotado de garimpeiros, e todos ali só falavam em ouro enquanto eu observava a floresta. Onde tinha suposições sobre o metal, o grupo descia. No final, sobramos apenas eu e o motorista. Estava abismado, pois um incêndio consumia a mata e fazia uma cortina de fogo por onde passávamos. Foi quando eu vi uma onça pela primeira vez na vida”, diz Trent. “Era uma pantera negra que saltou na frente do veículo e desapareceu correndo do fogo, na direção da mata. Me apaixonei pela ideia de trabalhar com esse animal e, quando retornei para Belo Horizonte, decidi buscar por lugares onde poderia ver outras onças”.
A busca o levou para a Transpantaneira, estrada que corta o Pantanal, na divisa entre o Mato Grosso e o Mato Grosso do Sul. Construída em 1972, a rota era a porta de entrada para o contato com a abundante fauna do Pantanal. “Quando vi o potencial natural dali, decidi criar uma operadora e trazer turistas ao Brasil. O lugar era um paraíso para birdwatching e o turismo de observação de fauna”, diz Trent, que, na época, fundou a Focus Tours Environmentally Responsible Travel.
As viagens à região estreitaram os laços entre Trent e as famílias pantaneiras, principalmente com Lerinho, um pequeno fazendeiro tradicional de Poconé. “Eu levava grupos para ver araras-azuis em uma árvore que tinha perto do rancho dele, onde hoje está a Jaguar Reserve, e passei a comprar o almoço para os turistas de sua família. Foi quando ele me deu um dente de onça e disse que era um presente, e que agora eu era da família dele”, afirma Trent.
A presa que Trent recebeu de presente era de uma onça-pintada que Lerinho tinha matado, pois o animal estava comendo gado em sua área. O pantaneiro revelou que ele também costumava matar onças para outros fazendeiros da região. Foi quando Trent fez uma proposta que mudaria a vida de Lerinho: “Se eu te ajudar a entrar no negócio do turismo, você para de matar as onças?”
O trato ajudou a criar uma das mais bem-sucedidas iniciativas de ecoturismo do país, a Jaguar Reserve, ou Reserva Ecológica do Jaguar. Com o apoio da Focus Conservation Fund (criada por Douglas Trent para executar suas iniciativas no Pantanal), Douglas conseguiu levantar fundos para doar à família de Lerinho e transformar o pequeno sítio em uma Reserva Particular do Patrimônio Natural (RPPN). Assim, garantiu que turistas estrangeiros visitassem a área, levantando mais fundos para a construção dos primeiros quartos da atual pousada.
“O ecoturismo por definição, inclusive no Brasil, é uma atividade que deve gerar renda principalmente para a comunidade local, além, é claro, de ajudar a preservar o meio ambiente, por isso insisti tanto que o negócio não deveria ter como base algo administrado por mim, mas sim ser um projeto dos próprios pantaneiros”, diz Trent.
Com apoio inicial da Focus Tours e da Focus Conservation Fund, a Jaguar Reserve já possui um hotel, uma escola e uma infraestrutura completa para receber turistas, inclusive com energia solar. A família de Lerinho foi treinada por Trent para reconhecer os animais da região pelos nomes científicos, falar inglês e atender os turistas estrangeiros que visitavam a área. “Foi quando percebi que minha missão estava concluída e que eles já estavam prontos para fazer a gestão da área sem a minha presença”, diz o ecólogo, que passou a procurar outras áreas para trabalhar.
O projeto recebe continuamente a colaboração de voluntários estrangeiros e brasileiros que ensinam inglês na escola local e apoiam outras iniciativas para melhorar a vida das comunidades pantaneiras. Um desses voluntários retornou e criou uma orquestra local, além de promover a instalação de filtros ecológicos, que ajudam no tratamento da água consumida na região.
Hoje, quem administra a pousada é o filho de Lerinho, Eduardo Falcão, que assumiu os negócios da família após a morte do pai. A pousada conta com uma infraestrutura moderna, com carros safári, acesso à internet e instalações no padrão internacional.
“Meu pai adorava o Douglas e acreditava muito em todas as propostas que ele fazia. Aprendi a reconhecer o Pantanal como um campo de muitas possibilidades, trilhando os caminhos que ele ofereceu à nossa família. Somos muito gratos ao trabalho de Trent”, diz Falcão.
A iniciativa repercutiu na mídia internacional, com publicações no jornal NY Times e nas emissoras BBC e National Geographic. A Jaguar Reserve continua apoiando diversas comunidades no Pantanal de Poconé, e muitos guias pantaneiros que foram formados por esse projeto são referências no turismo de natureza.
A Jaguar Reserve beneficia diretamente mais de 30 famílias na região. Muitas outras pousadas surgiram no Pantanal em decorrência do sucesso do projeto de Douglas Trent em levar o turismo de observação de fauna para Transpantaneira, no Alto Pantanal.